Mulheres que vestem farda: corpos “modelados” pelas letras da Lei

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DOI:

https://doi.org/10.21747/21833958/red10a6

Palavras-chave:

Mulher, Policial, Discurso, Corpo, Interdiscurso

Resumo

O objetivo deste trabalho é problematizar os efeitos de sentidos da construção do corpo da mulher policial militar que emergem no discurso jurídico das seguintes fontes: o decreto n.º 2.905, publicado em 1989, ato que cria a Companhia de Polícia Militar Feminina – Cia PM Fem, o ofício n.º PM/3-003/88 encaminhado à Inspetoria das Polícias Militares (IGPM) com o projeto de criação dessa Companhia e regulamento da Companhia de Polícia Feminina da Polícia Militar (REPOFEM/PM). Recorrendo-se à análise de discurso francesa filiada a Michel Pêcheux (AD), foram mobilizadas as seguintes categorias analíticas: formação discursiva (FD), discurso transverso e forma-sujeito. As materialidades analisadas revelaram que a partir de uma pedagogia corporal, o corpo civil visto como feminino foi remodelado/construído em um novo corpo militar que preservaria uma feminilidade controlada. A transformação das mulheres em militares através dos arbítrios culturais se deu por meio da transmissão de valores, normas e padrões que integrariam os saberes que passamos a identificar como FD policial militar alicerçada em dois pilares – hierarquia e disciplina, caracterizando o habitus militar, conceito de Pierre Bourdieu que o atravessa. As mulheres que se inscreveram nessa FD internalizaram a forma-sujeito a ela correspondente: a policial militar feminina. E nessa posição passaram a executar tarefas atreladas à maternidade e cuidado com o outro (com atendimento prioritário para idosos, crianças e mulheres). Tarefas consideradas essencialmente femininas. Por certo, o corpo nesse ambiente é usado a partir de uma lógica performática condicionada às ações autorizadas pelas normas, a exemplo da relação entre pares, brincos, maquiagem que demarcam a posição das mulheres na segurança pública. É um discurso que remonta dizeres e práticas do pelotão feminino da capital paulista, pioneiro na inserção de mulheres em seu quadro organizacional que contribuiu para a exteriorização da héxis militar. Empiricamente, aponta como resultado o mapeamento histórico-discursivo do ingresso das mulheres e da Cia PM Fem na instituição Polícia Militar da Bahia – PMBA através do corpo historicamente subjugado.

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Publicado

01-12-2021

Como Citar

Ferreira, G., & Alvarez, P. (2021). Mulheres que vestem farda: corpos “modelados” pelas letras da Lei. Redis: Revista De Estudos Do Discurso, (10), 151–179. https://doi.org/10.21747/21833958/red10a6

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