O rato roeu a rolha: sobre a aquisição do rótico dorsal por crianças portuguesas com perfis típico e atípico
Resumo
Na literatura sobre o português europeu (PE) é discutida a natureza fonológica das duas consoantes róticas /ʀ/ e /ɾ/, contrastivas em posição intervocálica (Barbosa, 1983; Mateus & Andrade, 2000; Amorim & Veloso, 2018). A rótica /ʀ/ em PE exibe uma extensa variação livre: [ʀ, ʁ, χ, x, r] (Jesus & Shadle, 2005; Rennicke & Martins, 2012; Rodrigues, 2015). Dados da aquisição típica em PE têm mostrado que /ʀ/ é adquirido antes de /ɾ/ em ataque simples (Mendes et al. 2009/13, Costa 2010, Amorim 2014), sendo relatada a produção de alofones obstruintes para /ʀ/. Neste trabalho, serão analisados dados de duas amostras: (i) uma amostra de 87 crianças com intervalo de idades de 2;11 até 6;6 anos, do distrito de Lisboa, monolingues em PE, sem alterações do desenvolvimento linguístico (Ramalho 2017); (ii) uma amostra de 9 crianças com alterações fonológicas primárias, com idades entre os 3;0 e os 7;6, do distrito de Évora. Os dados foram recolhidos com aplicação do instrumento CLCP-PE e analisados com o PHON (Hedlund & Rose, 2019). Foram consideradas todas as instâncias fonéticas de alvos /ʀ/, depois comparadas com produções de alvos /ɾ/, /l/ e / ʎ /, sempre em ataque simples. Na amostra típica, as taxas para /ʀ, ɾ/ situam-se acima dos 80%, o que denota aquisição de ambos os segmentos aos 3;0. Já na amostra atípica, /ʀ, ɾ/ têm comportamentos distintos: /ʀ/ apresenta taxas de acerto acima de 50% e /ɾ/, abaixo de 50%. Em abas as amostras as variantes fonéticas mais usadas são [ʁ, χ, x, ʀ], o que mostra uma aproximação às obstruintes. Os nossos dados constituem um contributo adicional para a discussão do estatuto fonológico de /ʀ/ no PE, apoiando a hipótese da existência de dois fonemas róticos no PE (cf. Miranda, 1996; Bonet & Mascaró, 1997).
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