O quaijo que xerava bem: um estudo de produções escritas e orais do ditongo <ei> de crianças de dois dialetos portugueses
Resumo
Numa fase inicial da aprendizagem da escrita, os ditongos constituem estruturas complexas que geram dificuldades a diversas crianças. Além de possuírem uma representação com dois caracteres, os ditongos apresentam diferentes realizações fonéticas que parecem interferir na consolidação da forma ortográfica convencional das crianças, conforme o seu dialeto se assemelhe mais ou menos à forma gráfica da estrutura. Partindo da ideia de que, contrariamente ao dialeto setentrional, o dialeto meridional possui monotongação do ditongo /eI/ como [e], o objetivo do presente artigo é o de analisar o comportamento de crianças alentejanas e transmontanas (de Elvas (E), Vila Nova de Santo André (VNSA), Bragança (B) e Chaves (Ch)) do 2.º ano de escolaridade no que diz respeito a esta estrutura. Sabe-se também que a centralização do ditongo ocorre em algumas regiões para além de Lisboa, desconhecendo-se qual o seu efeito na escrita infantil fora da capital. Como tal, serão observadas produções escritas das localidades mencionadas com o objetivo de comparar os resultados com os de Lisboa (L) e Porto (P) do mesmo ditongo, reportados por Rodrigues & Lourenço (2017). Os resultados apresentados referentes à escrita indicam que as crianças do Sul do país (L, E + VNSA) têm mais dificuldade em estabilizar a grafia do ditongo <ei> do que as crianças do Norte (P, B + Ch). A ordem das taxas de acerto é a seguinte: P >> B + Ch >> E + VNSA >> L, o que confirma a existência de possível efeito do dialeto no desempenho ortográfico destas crianças. As formas não convencionais (FNCs) registadas variaram consoante a região dialetal. Nas duas localidades alentejanas, houve preferência pelas formas erróneas <*e>/<*é> e <*ai>, o que permite colocar a hipótese de que, para além da forma monotongada já descrita pelos estudos dialetais, também a forma oral [ɐj] aí esteja presente. Por sua vez, nas localidades de Chaves e Bragança, a FNC <*ai> foi a mais frequente, sugerindo que a pronúncia desta região pode ser [ɐj], além de [ej]. Foram analisadas apenas as produções orais dos alunos que apresentaram FNCs, para tentar compreender se as FNCs adotadas derivavam de uma transposição direta da sua oralidade para a escrita. Os dados da oralidade observados revelaram que (i) há crianças que estabelecem uma relação direta entre forma oral produzida e FNC adotada, (ii) há crianças cuja produção oral e escrita não possuem relação, logo, não existe transposição na escrita da forma oral e, por último, (iii) há crianças cuja produção na escrita e/ou na oralidade varia em função do item lexical. Estes resultados sugerem que a análise da escrita e da fala infantil pode constituir um modo de descobrir novas pistas para o desenvolvimento de trabalhos de natureza sociolinguística de outra envergadura.
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