
No início do primeiro capítulo de A árvore do Conhecimento (1984), um livro que se tornou um clássico no âmbito dos estudos intradisciplinares sobre o fenómeno da compreensão humana, os seus autores, os especialistas em ciências cognitivas Humberto Maturana e Francisco Varela, procedem a uma original leitura de um quadro de Hieronymus Bosch, Cristo Escarnecido (A coroação com espinhos). Das quatro figuras humanas que rodeiam Cristo, há uma que segura firmemente o seu manto como se o quisesse prender ao chão. Segundo aqueles autores, essa figura representa a tentação da certeza. Se há domínio do conhecimento discursivo que suspeita das certezas, o que é dizer das formulações dogmáticas e das articulações apodícticas, fundadas em verdades reveladas ou numa pretensa mathesis universal, é justamente o domínio vasto e multiforme da literatura. O seu modo de conhecimento é justamente o plano relativo da existência humana e, nesse sentido, a sabedoria que a literatura esteticamente comunica, enquanto expressão de uma representação desvinculada das certezas intelectualmente dadas e ideologicamente reproduzidas, só pode ser declinada no plural e, à maneira da paráfrase que Harold Bloom faz do livro de Job, sob a forma de uma interrogativa – Onde encontrar a sabedoria? Partindo da hipótese de que uma das formas de sabedoria é a que se processa por via da aspiração a se reconhecer o mundo tal como ele é, para além da nostalgia do paraíso perdido ou da profecia da Jerusalém descida dos céus, isto é para além das grandes certezas utópicas, ensaiaremos na nossa comunicação aprofundar a pergunta de Job mediante uma reflexão tributária da teoria de conhecimento de Maturana e Varela, e ilustrada com exemplos literários relevantes, passíveis de serem inscritos na tradição intelectual do utopismo do Ocidente, e que relevem da categoria evanescente e contingencial como sendo, segundo Ernst Bloch, a categoria axial da utopia.