Em Nous et les Autres (1989), Todorov, numa tentativa de elaborar uma síntese totalizadora acerca das possíveis figuras da experiência da viagem na literatura moderna de expressão francesa, induz dez categorias de protagonistas-viajantes. Esta proposta de formalização, mesmo que circunscrita ao espaço cultural de uma literatura nacional europeia, visa identificar os traços gerais dominantes das representações escritas, reais ou ficcionais, da experiência humana da deslocação transterritorial. Uma das categorias inventariadas por Todorov é a do exote, termo originalmente grafado e conceptualmente determinado por Victor Segalen para designar, não a atitude do assimilé, que se deixa absorver inteiramente pelo exotismo cultural do país que visita ou da longínqua região geográfica que o acolhe, mas a forma comprometida de conhecer e de interagir do viajante com a alteridade excêntrica, sem por isso abdicar do núcleo irredutível da sua identidade pessoal e da sua cultura nativa. A nossa proposta de comunicação visa demonstrar a operacionalidade hermenêutica do conceito de exote aplicado à narrativa de viagem autobiográfica Le Pèlerinage aux sources (1943), do filósofo e ativista social cristão Lanza del Vasto pela Índia dos anos 30 do século passado. Espécie de diário sobre a voluntária distensão dos limites da subjetividade na aprendizagem da ação humana não violenta, Pèlerinage aux sources reflete a nostalgia por uma espiteme cultural indutora de uma busca radical e comprometida pela dimensão espiritual da vida, que Lanza del Vasto se propõe aprender e cultivar sob o magistério de Mahatma Ghandi. Esta voluntária procura de um mestre, este assumido abandono de si no encalço de uma fonte viva de inspiração ética, este consciente magnetismo por uma auto reconhecida incarnação da sabedoria mais despojada e desarmante, constitui-se, assim, numa das principais razões desta peregrinação narrada por um exote cristão por uma Índia colonizada pelo poder político britânico, mas ideologicamente inspirada por virtualidades axiológicas do substrato dominante cultural hindu.
