
A utopia enquanto género literário e modalidade de pensamento ideal identifica-se originalmente como um subproduto da laicização da cultura ocidental e, nesse sentido, como uma forma de designar as virtualidades criativas da
imaginação e da razão humanas. Apesar de se lhe atribuir uma origem associada a um ideário de justiça e harmonia social e de se lhe reconhecer um âmbito de projecção no domínio da perfectibilidade humana, de ser, portanto, um constructo idealmente modulado a partir das leis da história e da fenomenologia antropológica, a utopia, nas suas duas principais modalidades imagético-temporais, a nostálgica retrospectiva e a futuro-prospectiva, bem como nas suas valorações axiológicas, positiva e negativa, recorta-se a partir de um fundo narrativo bíblico associado à matriz civilizacional do judeo-cristianismo. Este ensaio apresenta-se como uma modesta tentativa de identificar os grandes
complexos temáticos e fabulares ou, se se quiser, o
elementar universo mitológico da Bíblia, que, em larga
medida, conformam a expressão secular da utopia.