
A obra de Roman Polanski poderia constituir-se em uma catalogação da perversão humana: das primitivas pulsões de Thanatos (em Morderstwo ou Repulsion) e de Eros (What?) ao voyeurismo (Usmiech Zebiczny ou Faca na Água) e ao travestismo (Cul-de-Sac, Le Locataire); da dominação e manipulação (Le Gros et le Maigre, Ssaki) ao crime (La Rivière de Diamants), ao satanismo (Rosemary’s Baby) e ao vandalismo (Rozbijemy Zabawe...). A história crítica da obra de Polanski revela, contudo, leituras predominantemente biografistas, tentando reduzir os filmes do autor a reflexos em espelhos curvos dos episódios que cedo tornaram o cineasta numa figura pública. No entanto, o único elemento biográfico que considero ter uma importância fulcral para a análise da perversão no universo do autor é porventura aquele que menos é tido em conta pelos estudiosos do seu cinema: é o de ser Polanski um cineasta apátrida. Cedo auto-exilado do seu país, tornou-se no realizador que nunca fez um filme onde os actores fossem
de uma só nacionalidade ou em que todos os elementos diegéticos correspondessem a uma unidade cultural coerente. O resultado deste desenquadramento é não só uma produção absolutamente heterogénea, mas também uma contaminação da matéria fílmica por este desvio da pertença, tão adequado ao propósito alegórico de grande parte das suas obras. A deslocação, no entanto, ultrapassa o mero ponto de partida de conceptualização e produção dos filmes, para se infiltrar duramente na própria diegese polanskiana. A heresia do cinema de Polanski é, assim, não a de pertencer a muitas nacionalidades, mas a de não pertencer a nenhuma. E a heresia é, aqui, a grande porta para a perversão. Esta comunicação propõe-se apontar e ponderar os aspectos da deslocação na obra de Polanski enquanto possível génese e alimento da perversão, a que permitiu e continua a permitir a realização do seu “cinéma d’exil”.