
Macau foi, até 1999, o último bastião territorial português a Oriente e ocupou, ao longo dos séculos, um espaço significativo no imaginário literário português. Porém, nos anos 80 e 90, assistiu-se a uma forte revisitação ficcional de Macau pela literatura contemporânea portuguesa. Em que medida uma tal revisitação se intensifica em função do próprio processo de redefinição da identidade portuguesa, secularmente dispersa pelo mundo e então em vias de se acantonar, com o fim do império e a integração na UE, ao seu lugar matricial no extremo ocidental da Europa? Escritores relevantes – Agustina Bessa-Luís, Eugénio de Andrade, Rebordão Navarro, Altino Tojal, entre outros - dialogaram, na busca de si próprios e da recolocação identitária colectiva, com o Próprio e o Outro que Macau e o Oriente constituem. Até que ponto (re)construíram Macau e o Oriente com os olhos do Ocidente e até onde foram contaminados pelo imaginário oriental? Importa equacionar e repensar algumas destas questões a partir dos seus textos. Será dado especial enfoque a dois romances dos anos noventa de Agustina Bessa-Luís (A Quinta Essência, 1999) e Rebordão Navarro (As Portas do Cerco, 1992) que procedem a essa revisitação através de um processo de “transfictionnalité” (cf. R. Saint-Gelais) a partir da personagem
e dos versos de Camilo Pessanha, o excepcional poeta simbolista português que se radicou em Macau e cuja poesia se deixou imbuir pela cultura chinesa. Será pela sua mão que os dois romancistas procederão a uma busca ontológica e identitária que os fará viajar entre mundos e construir “mundos possíveis” (Cf. Lubomir Dolezel).